Em recente julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisão no que se refere à forma de condução das franqueadoras em sua apuração fiscal cotidiana, especialmente, no que concerne a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) sobre os contratos de franquia, sobretudo, no que diz respeito ao recebimento de valores a título de fundo de marketing.
O recurso, que vinha tramitando no Supremo desde meados de 2009, foi julgado no mês passado, mais especificamente, em 28 de maio de 2020, deflagrando, assim, o mais atual posicionamento da alta Corte de Justiça de nosso país e apresentando parâmetros a serem analisados e discutidos pela franqueadora em sua relação com franqueados.
Vale destacar, outrossim, que o resultado no recurso em questão não detém força vinculante, ou seja, não impõe obrigatoriedade de observância pelos demais órgãos judiciais brasileiros. Contudo, como dito, remete a um sólido entendimento adotado pela Corte Maior brasileira, em um conflito que envolvia uma empresa atuante no comércio de alimentos e o município do Rio de Janeiro.
Tal Recurso Extraordinário, de n.º 603.136, teve a participação do ministro Gilmar Mendes, relator encarregado de analisar detalhadamente o processo e apresentar uma exposição dos fatos, trazendo seu voto para os demais ministros examinarem e decidirem conjuntamente. Deste modo, o caso traz a tona uma discussão sobre a Lei Complementar n.º 116/2003 e os serviços tributáveis que ela aponta, dentre eles, o de franquia, conforme itens 10.04 e 17.08 da norma em questão.
Ficou marcada a apreciação sobre o tema pelo caráter complexo dos contratos de franquia, os quais apresentam uma natureza híbrida, podendo incluir, na relação jurídica entre franqueador e franqueado, prestações diversas. Assim, fundamentalmente, dois pontos foram abordados no voto do relator, sendo: (i) a delimitação do conceito de serviço; e a (ii) compreensão da natureza jurídica e dos efeitos do contrato de franquia.
No primeiro ponto – a delimitação sobre o conceito de serviço -, cumpre ressaltar que a competência para a instituição de Impostos sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) cabe aos municípios, conforme art. 156, inciso III, da Constituição Federal, devendo ser definidos por meio de lei complementar.
Muito embora o autor do recurso interposto em 2009 tenha alegado a inconstitucionalidade (um desacordo com a Constituição), no que refere-se a lista de serviços tributáveis da Lei Complementar 116/2003, ficou marcado, pelo voto do ministro Gilmar Mendes que:
“A orientação remansosa deste Tribunal é no sentido da taxatividade da lista anexa à LC 116. Ou seja, aquilo que não consta da lista foi excluído pelo legislador complementar do conceito de serviço para fins de incidência de ISS, ainda que pudesse, de fato, ser tomado como serviço n’outro contexto.”
Deste modo, tendo em conta a taxatividade – limitação regulamentadora – da lei em questão, verifica-se o entendimento de ser coesa a cobrança do ISS no que concerne aos itens definidos pela lei em questão. Ao passo que, conforme remonta a inteligência do STF em anteriores julgados, o ISS incide sobre atividades que representem tanto obrigações de fazer – como a prestação de um serviço, a produção de algo -, bem como obrigações mistas, que contemplam as obrigações “de fazer” e, também, as “de dar” – entregar alguma coisa, ceder a posse.
Partindo para a segunda questão em análise – compreensão da natureza jurídica e dos efeitos do contrato de franquia -, nota-se não ser um ponto de simples análise, haja vista as discussões sobre tal temática em um cenário judicial e doutrinário. Contudo, Gilmar Mendes assegura entendimento de que, no contrato de franquia empresarial, residem diferentes prestações, tais como a cessão do uso de marca, a assistência técnica, direito de distribuição de produtos ou serviços, dentre outras. Sendo que algumas delas podem ser encaradas como atividades-meio e outras como atividades-fim no contexto da relação entre franqueador e franqueado.
Deste modo, o contrato de franquia detém características de híbrido ou misto, ou seja, um negócio jurídico que não tem por objeto uma só prestação ou tipo de obrigação. Em tal contexto, vale analisar a nova lei de franquias, Lei n.º 13.966/2019, que converge para esse mesmo entendimento de ser a franquia um contrato de natureza “complexa” e “híbrida”.
Tal norma regulamenta as atividades no que diz respeito à franquia, todavia, é interessante verificar especialmente o que dispõe seu art. 2, inciso XIII, o qual, conforme entendimento do relator no caso, apresenta a variedade de prestações envolvidas nesta relação contratual:
“Art. 2º Para a implantação da franquia, o franqueador deverá fornecer ao interessado Circular de Oferta de Franquia, escrita em língua portuguesa, de forma objetiva e acessível, contendo obrigatoriamente: XIII – indicação do que é oferecido ao franqueado pelo franqueador e em quais condições, no que se refere a: a) suporte; b) supervisão de rede; c) serviços; d) incorporação de inovações tecnológicas às franquias; e) treinamento do franqueado e de seus funcionários, especificando duração, conteúdo e custos; f) manuais de franquia; g) auxílio na análise e na escolha do ponto onde será instalada a franquia; e h) leiaute e padrões arquitetônicos das instalações do franqueado, incluindo arranjo físico de equipamentos e instrumentos, memorial descritivo, composição e croqui.”
Conforme relatado no voto em questão, as relações de trocas comerciais decorrentes do contrato de franquia – entre franqueador e franqueado -, não se resumem somente a uma simples cessão de direitos, sem qualquer forma de prestação de serviços entre os contratantes. Mas, sim, a um conjunto de obrigações mistas, que envolvem, como apontado anteriormente, tanto “de dar”, quanto “de fazer”, estas últimas, abrangendo um trabalho, um esforço humano.
Retomando aos conceitos já mencionados, verifica-se que as prestações contidas nas relações de franquia remetem a uma atividade-fim, como a cessão do uso de marca, bem como uma atividade-meio, como treinamento, orientação e publicidade prestados pelo franqueador. Deste modo, não é possível realizar uma nítida separação entre tais atividades, a qual possibilitaria a tributação tão somente das atividades-meio para fins de incidência do ISS, haja vista que compõe um único negócio jurídico.
Essa foi a fixação expressa da decisão supracitada do STF:
“É constitucional a incidência de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) sobre contratos de franquia (franchising) (itens 10.04 e 17.08 da lista de serviços prevista no Anexo da Lei Complementar 116/2003)”.
Ante todo o debatido, evidencia-se, pela recente decisão do STF, um posicionamento judicial que converge ao entendimento de que, sobre as receitas oriundas dos contratos de franquia, como, por exemplo, a taxa de marketing, deverá ser considerada a incidência de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), garantindo, com isso, maior segurança jurídica na operação fiscal da franqueadora, evitando a criação de um passivo tributário.
Importante destacar, ademais, que o posicionamento do Ministro Relator Gilmar Mendes foi acompanhado pela imensa maioria dos membros da Corte, divergindo, apenas, os Ministros Celso de Mello e Marco Aurélio, decanos do STF que, ainda esse ano, não comporão mais o quadro do Tribunal, indicando, com isso, uma provável manutenção do entendimento fixado nessa oportunidade.
Como explanado, o voto do ministro Gilmar Mendes e a decisão do colegiado, não detêm efeito vinculante, o qual significaria uma observância obrigatória imediata às partes estranhas ao processo judicial. Porém, vez mais, representa o entendimento maior em matéria de direito, o qual, como disposto no transcorrer de tais linhas, remonta a incidência do ISS sobre os contratos de franquia, haja vista as diversas obrigações englobadas por tal negócio jurídico, indicando, de modo claro, a adoção, pelos órgãos fiscalizatórios e judiciais, do entendimento alcançado pelo STF nessa decisão.
Renato Forte Aguiar
Profissional da Advocacia Franco de Lima
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