Muitos são os questionamentos acerca da possibilidade de cessação do contrato de trabalho em períodos como este que vivemos com a pandemia decretada no Brasil e no mundo. 



Surgiu, assim, recentemente, discussão quanto a hipótese estipulada no art. 486 da CLT, para os casos de paralisações temporárias ou definitivas do trabalho impostas por atos das autoridades municipais, estaduais ou federal, responsabilizando o ente governamental impositor da medida ao pagamento de verbas trabalhistas. 



Efetivamente essa permissão está contemplada na legislação trabalhista, podendo o governo - autor da paralisação da atividade - ser responsabilizado no pagamento de verbas decorrentes do encerramento do contrato de trabalho que a medida governamental tomada implicou. 



O primeiro ponto a ser abordado, aqui, é se os decretos municipais e estaduais que determinaram a quarentena servirão como base para sustentar o encerramento do contrato de trabalho, ainda que a paralisação seja temporária. 



O fato de os decretos proibirem unicamente o atendimento ao público, mas permitirem as vendas virtuais, por entrega e take-out, pode ser encarado, futuramente, pelos tribunais brasileiros como fato não impeditivo da prestação do serviço, derruindo, assim, um dos requisitos essenciais da aplicação da norma. 



Poderá haver debate, inclusive, sobre a demissão de alguns colaboradores e a manutenção de outros como demonstração da não ocorrência de paralisação total, ainda que temporária. 



Em primeira análise fica claro que os atos normativos municipais e estaduais impuseram paralisação temporária na atividade desempenhada pelas empresas, ainda que absolutamente motivada pelo quadro pandêmico em que se encontra o país. Entretanto, em alguns segmentos, inclusive no varejo, a continuidade da manutenção de postos de emprego, ainda que em número reduzido, assim como a manutenção dos serviços virtuais, de entrega e take-out, poderá, como dito, ser entendido pela Justiça do Trabalho, futuramente, como impeditivo para o uso do citado comando normativo. 



O segundo ponto que merece destaque é quais verbas trabalhistas estariam os governos obrigados a pagar no lugar do empregador quando do encerramento do contrato de trabalho. 



A regra da CLT não deixa claro quais – ou qual – seriam essas verbas a serem pagas pelo governo. No entanto, a jurisprudência e a doutrina brasileira, ancoradas no condão indenizatório, parecem se guiar pela obrigatoriedade de pagamento apenas das verbas trabalhistas rescisórias de natureza indenizatória, ou seja, tão somente o aviso prévio e a multa do FGTS. 



Há entendimento, minoritário é verdade, de que todas as verbas deveriam ser suportadas pelo ente governamental, inclusive salários. Contudo, esse parece ser um posicionamento menos adequado e mais arriscado diante desse cenário. 



Ainda há divergência quando a possibilidade de pagamento de aviso prévio ao empregado, tendo em vista que o encerramento do contrato de trabalho se deu por conta de ato governamental, imprevisível portanto, não sendo obrigado o empregador ao seu pagamento. O que é, também, bastante dividido e polêmico. 



Há quem discuta, também, a possibilidade de o pagamento da multa do FGTS ser dividida à metade entre empregador e governo, o que não parece ser o entendimento mais adequado. 



Em suma, nos parece evidente que o art. 486 da CLT trata de paralisação total da empresa, não parcial, ainda que temporário e não definitiva, o que ficaria, nessa análise conjuntural, comprometida, tendo em vista a restrição unicamente ao atendimento ao público, podendo ser assim interpretado pelos nossos tribunais, impedindo, dessa forma, sua aplicação na cessação dos contratos de trabalho realizados em decorrência dos decretos estaduais e municipais. 



Nos parece claro, também, que essa indenização substitutiva do ente governamental se restringe, apenas, ao aviso prévio e à multa de 40% do FGTS, devendo, todas as demais verbas rescisórias, serem pagas pelo empregador, já que não abarcada pelo texto celetista. 



Por fim, na prática, a aplicação do art. 486 da CLT no caso concreto aconteceria com a ausência de pagamento ao colaborador dessas rubricas, que teria de ingressar com uma reclamação trabalhista em face do empregador que, por sua vez, apontaria nos autos do processo a razão do seu não pagamento, requerendo, ali, que o ente decretador da medida faça o pagamento no seu lugar, decidindo, o juiz competente, se o ente tem mesmo que pagar essa quantia no lugar do empregador ou se é a empresa a responsável. Em ambos os casos, o colaborador receberá com juros e correção. 



O caso, como vocês podem imaginar, nunca foi tão debatido, sendo usado em situações muito específicas e em pequenas escalas, não na abrangência que se vê agora, o que indica que se formará no futuro uma jurisprudência mais adequada a essa realidade que estamos vivendo, não sendo possível prever de maneira tão clara como será aplicada para uma situação tão abrangente quanto essa. 



Recomendamos, assim, cautela na utilização desse dispositivo, o fazendo, é certo, somente como último refúgio, para evitar que troquemos danos momentâneos por danos futuros ainda maiores. Entretanto, o risco da tomada dessa decisão é um risco administrativo que deve ser levado em consideração pelos gestores nesse momento. 





Dr. Rafael Franco de Lima 

Sócio do Escritório de Advocacia Franco de Lima 



Dra. Carolina Santana 

Advogada do Escritório de Advocacia Franco de Lima
CategoryArtigos
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