Com a chegada da família real ao Brasil em 1508, deu-se início a um extenso período escravagista do povo negro no país, que legalmente durou de 1588 até 1888. Durante quase quatro séculos, a população africana era comprada na região litorânea da África para ser escravizada no continente europeu e americano, em uma migração forçada, tratando-os como prisioneiros.
O transporte de pessoas escravizadas melhorou a economia da época, uma vez que os traficantes de escravos pagavam impostos ao Estado, movimentando as grandes capitais nos três continentes, tornando a escravidão um negócio lucrativo.
Associa-se o tráfico negreiro, no Brasil, com a produção açucareira do século XV. Os portugueses foram os primeiros a iniciarem o comércio de escravos, fundando feitorias e estabelecendo alianças legais com comerciantes, unindo seus interesses, ofertando mercadorias como tecidos, tabacos e armas, trocando-as, posteriormente, por escravos.
No Brasil, o objetivo principal dos colonizadores era a necessidade de trabalho nos engenhos e a diminuição da escravidão indígena, haja vista que, à época, estava instalado um conflito de interesses entre os colonos e a Igreja – esta por meio dos Jesuítas –, que acreditavam serem os indígenas alvo potencial para a conversão religiosa e, por esse motivo, a população indígena já não era mais a primeira opção para o trabalho escravo.
Além disso, não agradava os colonos e os europeus, o fato de os indígenas produzirem apenas o necessário para o sustento da comunidade, contrariando o entendimento europeu de produção excedente, taxando o povo originário como “inapropriados” para o trabalho escravo.
Por conseguinte, o que assentou o tráfico e a escravidão africana, foi o funcionamento do sistema mercantil da época, ou seja, a consolidação da burguesia como classe social dominante e a transação do feudalismo para o capitalismo, tornando o negócio lucrativo e relevante para a economia.
Os navios negreiros saíam do continente africano com média de 600 escravos. Em cada parada realizada do continente africano ao local de desembarque, o tempo de duração das viagens variava de 35 a 60 dias. Durante todo esse tempo o povo africano, então prisioneiros, permaneciam nos porões dos navios, com espaço reduzido, ambiente escuro e quente, água suja e alimentação insuficiente para todos que ali estavam embarcados, tornando o lugar precário e propício para iniciar os casos de epidemias e doenças.
Em virtude dessa situação, com péssima condição de transporte, juntamente com os maus-tratos, 5% a 25% dos africanos embarcados como escravos morreram durante a viagem, fazendo com que os navios negreiros ganhassem a funesta alcunha de “navios tumbeiros”, tantos eram os óbitos ocorridos nessas circunstâncias.
Ao chegar em terras brasileiras (as primeiras províncias brasileiras que receberam os escravos africanos foram a Bahia e Pernambuco), os senhores dividiam seus escravos em grupos. Os escravos que trabalhavam em lavouras e os que lidavam com mineração, eram chamados de “escravos de eito”, e viviam sob a fiscalização do feitor, trabalhando, em média, 15 horas por dia. Vale evidenciar que, se algum dos escravos desobedecesse a ordem de seu senhor, era penalizado com castigos aplicados em público, para intimidação dos outros escravos. O excesso da jornada de trabalho, a má alimentação, as péssimas condições de higiene e os castigos excessivos, deterioravam, rapidamente, a saúde dos escravos, que faleciam, em média, após 10 anos de trabalho.
Havia, também, outro grupo de escravos, denominados por seus senhores como “escravos domésticos”, que eram os considerados vistosos, dóceis e confiáveis e, por esses motivos, recebiam outro tipo de tratamento, como alimentação adequada e melhores vestimentas. Em contrapartida, os senhores davam menor valor para aqueles denominados como “escravos boçais”, aqueles chegados há pouco tempo da África, desconheciam a língua portuguesa e o trabalho nas colônias. Não obstante a isso, os senhores valorizavam o escravo que entendia a língua portuguesa e conhecia a rotina de trabalho, denominando-os de “escravos ladinos”.
A abolição da escravatura, no Brasil, não ocorreu do dia para noite. Antes que a princesa Isabel decretasse a abolição, o Brasil colonial passou por um processo em que foram implantadas leis, pelos abolicionistas da época – que eram os senhores de engenhos e seus filhos, que tiveram contato com a corrente iluminista fora do Brasil –, para trazer, em suas concepções a evolução nacional.
Nesse ambiente que se ponderava a ideia de que todo ser humano precisava ser livre, com as questões econômicas do país, foram aprovadas as leis:
– Lei do Ventre Livre[1]: que assegurava aos filhos das mulheres grávidas e escravas, a liberdade após o nascimento;
– Lei do Sexagenário[2]: que determinou que, a partir dos 60 anos de idade, todo escravo poderia se aposentar, lei essa, de quase impossível operabilidades, uma vez que os escravos, em sua maioria, não chegavam aos 60 nos de idade, falecendo, em média, com cerca de 40 ano, sem alcançar sua liberdade;
– Lei de terras[3]: regularizou o acesso de terras brasileira, pelo processo de compras, preparando o Brasil para ter a população negra liberta e não mais na condição de escravo;
– Lei Eusébio de Queirós[4]: pôs fim ao tráfico pela embarcação dos navios negreiros.
As campanhas abolicionistas tomaram conta dos quilombos, tornando-os lugar de resistência e inflamando a população negra a se revoltar e não aceitar a situação em que viviam.
Dessa forma, acabar legalmente com a escravidão no Brasil foi a última tentativa da monarquia de salvar a si mesma e permanecer com o Brasil colonial. A monarquia, enquanto estrutura, não agradava mais a população, pois era a Princesa Isabel a primeira da linha sucessória ao trono Brasileiro, um país colonial que tinha como determinadores das regras os homens brancos e cristãos, tornando revoltoso, para a população da época, ser governada por uma mulher.
Nessa condição, a ideia de um ato de revolta popular no Brasil, já se tornava bem-quisto e, para que isso não ocorresse, foi estimado uma ação social que estabelecesse uma relação melhor entre a princesa e a população, promovendo-a politicamente por sua caridade. Foi com esse objetivo que a princesa Isabel decretou, por lei, a liberdade dos escravos, assinando a Lei Áurea, promovendo, assim e em tese, a alforria dos negros escravizados.
Esse ato meramente legal, no entanto, deixou a população negra liberta, mas em uma vida precária diante de uma sociedade escravista. Do outro lado, os senhores, donos dos escravos libertos, insatisfeitos com o suposto prejuízo econômico tido com a libertação legal dos escravos, solicitavam à princesa Isabel o ressarcimento pela perda de suas propriedades.
Fato é que a data de 13 de maio rememora uma institucionalização da liberdade da população negra, que foi largada ao desamparo em uma sociedade ainda escravocrata, sem condições mínimas de se estabelecer nesse meio, refletindo no problema crônico por qual passa o Brasil, causado conscientemente pelo sistema social que segregou a população negra e contribuiu para a desigualdade que se mantém até os dias atuais, com a população negra, historicamente, em sua maioria, marginalizada e relegada às áreas periféricas. Recém libertos de seus senhores, a população negra, sem emprego e sem condições básicas de sobrevivência, precisou morar em lugares quase inabitáveis, como os morros, criando-se, então, as favelas.
Após a abolição, em média 1.500.000 pessoas negras foram colocadas na sociedade brasileira sem nenhum suporte. Por conta dessa herança histórica, nasceu o que chamamos de racismo estrutural. No dicionário, o racismo é definido como discriminação, que tem como alvo principal a origem étnico-racial, definindo que uma raça é melhor que a outra, manifestando-se por meio de práticas conscientes e inconscientes, por falas diretas e indiretas, na sociedade.
A visão eurocêntrica, de que os europeus eram mais inteligentes e capazes de prosperar, enquanto os negros e indígenas eram considerados inferiores, colaborou – colabora – grandemente com pensamentos e atos racistas.
Mesmo após a abolição, a sociedade, os lugares e as oportunidades que surgiam, ainda preservavam o pensamento escravocrata, calando, mais uma vez, a voz da população negra. Foram deixados à margem de uma sociedade racista, de legisladores brancos e cristãos, sem leis e estrutura social que contribuíssem com o abatimento do abismo social causado por séculos.
Após 134 anos da abolição da escravatura, mesmo os negros representando 54% da população brasileira, há extrema dificuldade da população negra ascender social e economicamente no Brasil, não lhe sendo, em sua imensa maioria, permitido alcançar os mesmos lugares que a população branca ocupa, segundo nos aponta o próprio IBGE. Igualmente em pesquisas sociais e demográficas, as pessoas que se declaram como pardas ou pretas, são maioria nos índices de analfabetismo, de desemprego e tem a menor renda mensal, além de, segundo os dados da INFOPEN, a proporção da população negra nos presídios crescer em 14% anualmente, enquanto a de pessoas brancas cai 19%[5].
Todas essas problemáticas citadas, poderiam ser solucionadas se a sociedade como um todo, principalmente os poderes executivos, judiciário e legislativo, adotassem com mais impulso, políticas públicas que visassem reparar aqueles que foram marginalizados e excluídos da sociedade durante todos esses anos, como a criação de cotas raciais, que abriu espaço para que a comunidade negra conseguisse ingressar na sociedade, buscando, com isso, minimamente igualar as oportunidades.
Nesse 13 de maio comemora-se os 134 anos da assinatura da Lei Áurea no Brasil pela princesa Isabel, trazendo a abolição como um ato de “generosidade” da elite branca. Não restam dúvidas que a data tem seu valor histórico. A Lei Áurea libertou milhares de escravos que ainda existiam no Brasil em 1888. No entanto, não se pode deixar de reconhecer que a abolição não resolveu inúmeras questões essenciais para a inclusão dos negros libertos na sociedade brasileira. O Estado, como deveria, não tomou a medidas cabíveis que favorecessem a integração social, abandonando os negros à própria sorte.
Em contrapartida, o dia 20 de novembro, data comemorativa instituída pela Lei nº 12.519 de 2011[6], em que celebramos o Dia da Consciência Negra, ressalta o papel dos próprios negros no processo de sua emancipação, tendo como homenageado o Zumbi dos Palmares, sendo esta uma data que celebra a resistência e a combatividade da população negra, que não aceitou passivamente a escravidão e que luta, diariamente, até os dias atuais, para alcançar lugares de representatividade em uma sociedade racista.
Lorena Gabriela dos Santos Cordeiro
Estagiária da Advocacia Franco de Lima
[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim2040.htm
[2]https://www.bn.gov.br/explore/curiosidades/28-setembro-1885-promulgada-lei-sexagenarios#:~:text=A%20Lei%20dos%20Sexagen%C3%A1rios%20(LEI,de%2060%20anos%20de%20idade.
[3]https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/ha-170-anos-lei-de-terras-desprezou-camponeses-e-oficializou-apoio-do-brasil-aos-latifundios#:~:text=Em%2018%20de%20setembro%20de,e%20n%C3%A3o%20em%20pequenas%20propriedades.
[4]http://mapa.an.gov.br/index.php/menu-de-categorias-2/288-lei-euzebio-de-queiroz#:~:text=A%20lei%20n.,extin%C3%A7%C3%A3o%20da%20escravid%C3%A3o%20no%20pa%C3%ADs.
[5] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/10/19/em-15-anos-proporcao-de-negros-nas-prisoes-aumenta-14percent-ja-a-de-brancos-diminui-19percent-mostra-anuario-de-seguranca-publica.ghtml
[6] Art. 1º É instituído o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, a ser comemorado, anualmente, no dia 20 de novembro, data do falecimento do líder negro Zumbi dos Palmares.
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